Conheça seus direitos
O professor e advogado Weber Abrahão Jr vai contar um pouco da sua recente experiência em Niterói, mesclando leis, sentenças, liminares de processos ligados a neurodivergentes, sempre com considerações psicológicas do cotidiano.
Lançamento do livro Auticionário - Um Vocabulário Autista
Dia 24 e 25 de outubro de 2023 - Belo Horizonte-MG
Evento da Undime-MG - A Undime MG - União dos Dirigentes Municipais de Educação de Minas Gerais e ANIA - Associação Nacional para Inclusão de Pessoas Autistas.
NEWS
À esquerda, Weber Abrahão Jr, ao lado da vice-presidente da Comissão, Dra. Ana Cristina.
A Comunidade OBAH foi representada pelo advogado Weber Abrahão Jr no evento "Café com Presidente" para tratar de um assunto muito relevante: ‘Os serviços de aplicativo que negam transportar pessoas com deficiência’. A reunião da Comissão PcD aconteceu dia 18 de abril na sede da OAB.
De perto ninguém é normal
Não sem quem é o autor dessa frase. Como todo bom e metódico autista, pesquisei suas origens. E só achei polêmica sobre sua autoria. Fiquei chateado, porque autista bom é autista que não se conforma até encontrar resposta pra suas dúvidas. Mas, apesar disso, essa frase se presta a um bom começo de conversa. Em primeiro lugar, porque existem diferentes tipos de distâncias, das geográficas às sociais, e às vezes acontece uma boa mistura delas.
Além disso, as aproximações implicam sempre em um misto de intenção e necessidade, impulso e obrigação. Penso agora nas profundas dificuldades que um autista tem para se relacionar com outras pessoas, incluídas aí as pessoas neurotípicas. Estamos todo o tempo fazendo cálculos sociais, que envolvem gastos de energia (física, emocional e mental), tempo dispendido, cansaço, desregulação e regulação: vale a pena a aproximação? Quanto cansaço isso vai me gerar? Será que não vou parecer arrogante ou desinteressado na conversa? Consciente ou inconscientemente, nós autistas fazemos isso todo o tempo.
Mas, de perto não somos normais. Nem de perto e nem de longe. Ninguém é normal. Nem de longe e nem de perto. Jamais. E é simples entender o porquê: o conceito de normalidade é arbitrariamente construído e imposto através de regras, muitas delas implícitas; morais, moralistas e moralizantes. E ainda normas legais criadas em um tempo e para um tempo de preconceitos e falta de conhecimento científico, além de falta de empatia e de compaixão.
Desse modo, podemos então pensar o seguinte. Se ninguém é normal, nem de perto e nem de longe, isso quer dizer que somos todos anormais? Ora, essa não seria uma resposta nem um pouco adequada. Do mesmo modo que a normalidade é uma construção da nossa cultura, a anormalidade, estabelecida como oposição espelhada, também o é.
Claro, normal é o que segue a norma, a regra, a régua, o padrão. Em nosso cotidiano, estabelecemos relações com outras pessoas todo o tempo. Essas relações são mediadas por regras mínimas de convivência, como cumprimentar, esperar, ouvir com calma, falar sem atropelar a fala do outro, ceder a vez, argumentar, dentre tantas outras. Essa é uma normalidade relacional, o estabelecimento de padrões de comportamento minimamente aceitáveis, e é diferente do conceito de normalidade que estou criticando aqui.
O que analiso de maneira crítica é a normalidade que desconsidera a diversidade do ser humano. Se não há normalidade como régua, só pode existir diversidade!
Então, para prosseguir, precisamos entender o sentido de três conceitos: diversidade, desigualdade e diferença.
Quando pensamos em diversidade, estamos olhando (como exemplo) para uma sala de aula com estudantes de todas as cores, culturas, linguagens, desejos, vontades e mentalidades. Pessoas sem deficiência, pessoas com deficiência. Mas capazes de se sintonizar em atividades e compromissos comuns, respeitadas as diversidades, consideradas em um mesmo patamar relacional.
Quando falamos em desigualdade, estamos vendo (como exemplo) uma sala de aula com estudantes de diversas origens sociais, dispostos de forma hierarquizada, a partir de suas roupas, marcas de telefone e mochila, possuidores ou não de carro ou moto, preocupados com status e seletivos em amizades e atividades escolares. Incapazes, muitas vezes, de interação respeitosa com o outro, o diferente de seu universo de referência, de sua bolha e de seu viés de confirmação. Essa é a desigualdade negativa, da manutenção do privilégio social ou cultural.
Mas existe ainda a desigualdade positiva, que admite a necessidade de privilegiar os social e historicamente inferiorizados (negros, mulheres, pessoas com deficiência) para que eles tenham oportunidades para furar as barreiras do preconceito e da desigualdade estrutural. Só assim é possível a gente falar em meritocracia, por exemplo! Desse modo, podemos olhar pra sala de aula do nosso modelo, definida a partir da equidade, que é tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade, para que todos tenham as mesmas oportunidades.
Quando falamos em diferença, estamos sintonizados naquilo que torna cada um de nós único, singular, que nos faz deixar nossa marca distintiva no mundo. Porque, se compartilhamos de um mesmo contexto de aprendizado e cultura, manifestamos nossas diferenças nas formas de modular os talentos para a vida. E então olhamos pra nossa sala de aula e vemos cada um dos alunos em sua singularidade e potencialidade.
Mas tudo isso exige da gente empatia e compaixão: empatia para olhar o outro em sua dimensão diversa, diferente e desigual; compaixão para olhar o outro e caminhar com ele em toda a sua complexidade, não para abraçar sua dor, mas para compreendê-la e ajudar em sua superação, partilhando alegrias e conquistas.
Desse modo, podemos agora pensar um pouco sobre o problema do Capacitismo!
O termo surgiu no contexto das lutas sociais das PcD norte-americanas, nos anos 1980.
Em termos gerais, o Capacitismo se refere ao preconceito que tem como base a capacidade de outras pessoas, principalmente quando se trata da parcela da população que tem algum tipo de deficiência.
“Eu tô pronta para entender que o preconceito é aquilo que tá na pessoa e não em mim.”
Rebeca Costa, em entrevista para Salon Line
O Capacitismo atinge diversos tipos de deficiências (física, visual, auditiva, intelectual) como o nanismo, por exemplo. Embora a discriminação, muitas vezes, venha disfarçada de “piada” e “brincadeira”, ela é passível de punição – sim, o Capacitismo é crime no Brasil.
O crime de capacitismo consta na Lei Brasileira da Inclusão (lei 13.146/2015) e prevê pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa, podendo a reclusão ter o seu período aumentado dependendo das condições em que o crime foi praticado, como em casos em que a vítima esteja sob cuidado e responsabilidade do acusado.
A lei também abrange situações em que o crime acontece nos meios de comunicação ou em publicações de qualquer natureza (como nas redes sociais). Aqui a punição passa para 2 a 5 anos de reclusão e multa, além do possível recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório e a interdição das mensagens ou páginas de informação na internet.
“As pessoas têm que entender que elas não têm nenhum direito de rir de mim sem que eu dê essa abertura, sem que eu dê essa oportunidade.”
Rebeca Costa, em entrevista para Salon Line.
Para evitar a perpetuação desse preconceito, conheça algumas expressões capacitistas que você deve tirar hoje mesmo do seu vocabulário.
Cego de raiva.
Que mancada!
Está surdo/cego?
Você é retardado?
Para de fingir demência.
Dar uma de João sem braço.
Não tenho perna/braço para isso.
A desculpa do aleijado é a muleta.
Mais perdido que cego em tiroteio.
Assim, Capacitismo se refere à abordagem social dos grupos de pessoas com deficiência, em uma perspectiva de depreciação e desvalidação ao longo da História e das mais diferentes sociedades. A dúvida em relação às suas capacidades resulta em preconceito, exclusão e discriminação. E o que é pior, isso ocorre geralmente, por meio de atitudes veladas, “normais” e normatizadas e, por isso mesmo, imperceptíveis.
O capacitismo parte de uma lógica que entende a pessoa com deficiência como não igual, incapaz e inapta tanto para o trabalho, o que inclui até mesmo cuidar da própria vida e tomar as próprias decisões, enquanto um sujeito autônomo e independente.
O Capacitismo está associado às relações de poder social, podendo ser comparado ao racismo e ao machismo. O capacitismo se manifesta nas dimensões públicas e privadas, negando a estes sujeitos possibilidades de participação em políticas de saúde, acessibilidade, educação, cultura e lazer. Tudo isto se deve ao fato de que, historicamente, disseminou-se um ideal de corpo funcional tido como “normal” para a raça humana, é a chamada corponormatividade. Assim, quem não se enquadra nesses padrões é considerado menos humano, ou mesmo quase humano (o Quasímodo do “Corcunda de Notre Dame).
Historicamente precisamos considerar:
a) o Capacitismo está relacionado às políticas de eugenia;
b) o conceito de Normalidade e suas consequências para a compreensão do Capacitismo enquanto prática social;
c) as relações entre Capacitismo, atividades econômicas e populações marginalizadas, incluindo as PcDs.
Atitudes Capacitistas a evitar:
1) Deficiência como condição que limita o ser humano em sua totalidade. Assim, qualquer conquista ou ação emancipatória é entendida como um ato de superação. As PcD são vistas como “heróis” que, quando comparadas com as demais, são colocadas em posições superiores, já que seu desempenho se sobrepõe.
2) Infantilização das pessoas com deficiência, utilizando abusivamente expressões no diminutivo, a exemplo de: rostinho, bonitinho, dentre outras. Também nesse sentido é recorrente a interlocução ocorra tão somente com pessoas acompanhantes daquelas com deficiências, sendo desnecessário cumprimentá-las, afinal, “elas sequer percebem nossa presença”.
3) Finalmente, é recorrente a rotulação de pessoas com deficiência como especiais, colocando em xeque sua capacidade de estudar, trabalhar, tomar decisões ou realizar com êxito as atividades cotidianas, das mais simples às mais complexas. As pessoas não são especiais, mas suas necessidades, sim!
Por Weber Abrahão Júnior | Advogado e professor
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